terça-feira, agosto 30

Marasmo num charco de rãs

Conto dos bichos adormecidos,
Embalados pelo próprio conto.

Marasmo num charco de rãs.
Calma retida na lama.

Agitação num piscar de olho.
Fechou sem algazarra.

Batráquios de pele ressequida,
Seca no calor do verão.

Bichos de comodidade intrínseca.
Comunidade animal estagnada.

Aguardam a água da chuva,
Que sem esforço lhes caia.

Mas a benção tarda a vir.
Está o céu mais parado ainda.

Não há nuvem que tape o sol.
Não há noite que traga orvalho.

Morre o charco, como os bichos,
desidratados cor de terra.

Desaparece o reino extenuado.
Serenidade por enquanto.

A putrefacção quebra a rotina.
Atrai todo o tipo de vermes.

Festim de carne podre.
Caso inédito de alvoroço.

Zumbido de tira-olhos
Sobrevoa o macabro motim.

Afasta-se. Pára por momentos.
Retoma num nenúfar flutuante.

Próximo do charco defunto
Persiste a última das fontes.

Os bichos acomodados,
Não ouviram o turbilhão.


>Tiago Martins
(Este texto assombra-me a mente há mais de um mês. Talvez por passar por um periodo de profunda estagnação, só agora o tenha conseguido expor. Não se trata porém, duma versão final do texto, por isso, estou aberto a qualquer sugestão que ajude este pobre bicho a sair do charco moribundo.)

domingo, agosto 21


Todos conhecemos muito bem a história do capuchinho vermelho desde os nossos cinco anos? Talvez… Hoje, porém, a historia, apesar de se manter actual, tem sofrido ligeiras alterações. A nova versão foi-me enviada por e-mail (…qual carta provinda de um reino longínquo…) e a minha reacção foi explodir em risos e gargalhadas devido às expressões utilizadas ao longo da narrativa. Tais expressões, abusadoras da oralidade, transmitiam todo um vocabulário inventado pelas gerações mais novas para que os mais novos “entendam” o seu conteúdo. Mas a versão “antiga” da história não era perceptível? Tinha palavras a mais? Ou talvez a menos? Personagens demais? Não entendi… Hoje, porém, penso ter encontrado a resposta para esse meu dilema!
A história, tal como a conhecemos, tem um defeito ou uma pequena falha, para os tempos de hoje… ou seja, os lobos de outrora já estão quase extintos, hoje temos uma nova raça de lobos que veste o pêlo dos cães. Talvez em lugares mais recatados, mais serenos e pastosos, a historia surta efeito, mas no ambiente urbano a menina vestida de vermelho é que é o verdadeiro “lobo”. Aparentemente, ou “pelo que ouço por aí dizer…”, na cidade a menina veste-se de lobo e o lobo de menina, os papéis trocam-se com um toque de disfarce!
Contudo, na história antiga o lobo também se disfarçava de avó da menina! A mensagem já lá esta contida! Então porque razão criar uma nova versão se a original por si já continha ambas as mensagens? Tanto a primaria quanto a interpretada?
O que diferencia uma história da outra é as personagens, com uma espécie de nova mentalidade ou outro uso da mente. Antigamente eram poucas as preocupações para os que vivam na era da sobrevivência, pois agora vejo uma era de supremacia. Hoje, com o relógio a bater cada vez mais rápido, as vinte e quatro horas já não chegam… para uma mente menos veloz! Como, para já, o dia ainda não vai passar a ter 48 horas, e o dormir descansado implica o coincidir do final do dia com a conclusão de todas as “tarefas”, surge a necessidade de se tornar mais rápido do que é, e cada vez mais rápido, e mais rápido que o colega, mais rápido que o outro, mais rápido para ser mais eficiente e chegar mais longe, conseguir ser melhor que o “mestre”… e depois? «O depois não interessa, o que interessa é o momento, nunca ouviste dizer? Carpe diem!» aproveitar o momento pode ser tão relativo… e tão diferente de pessoa para pessoa!
Mas aqui, a “capuchinho vermelho” tinha um problema: o caminho! Para ultrapassa-lo decidiu correr para evitar o “lobo”! O problema desta capuchinho foi gostar do vento enquanto corria e não querer travar nem abrandar, apenas acelerar… para sentir mais e mais vento! Um dia, com certeza, esta capuchinho teve de “parar”, mas quando parou viu-se perdida e pediu direcções precisamente ao lobo de que fugia! E o caçador não estava por perto…

sexta-feira, agosto 5



O ambiente da sala de espera torna-se cada vez mais pesado à medida que chegam novos pacientes... Estamos há muito a entreter o olhar para deixar os ouvidos atentos à chamada do nosso nome!Já se passaram hora e meia desde que cheguei... já dei o "litro", já fiz vários exames... a médica disse que vejo bem e não comentou a minha audição... não me preocupo!Na sala veem-se, de um lado, vários homens... conhecem-se, devem trabalhar juntos pelo teor da conversa... do outro lado, pessoas de idade não conversam, lêm folhetos... eu estou nomeio, perto de descolhecidos com a mesma perspectiva da porta... de frente. A sede começa a tirar-me do sério, mas tenho de passar por tanta gente até ao "bebedouro", que logo perco a vontade!Olho o relógio, apenas cinco minutos passaram desde a última vez... tenho, eu também, que entreter os olhos, por isso observo quem me rodeia... e perco-me a imaginar como será a vida de cada um deles. Invento personagens neste pequeno palco e entretenho-me a puxar os fios das marionetas!Farta do teatro olho novamente o relógio e repar que mais pessoas o fazem... ouvem-se suspiros, conversas forçadas de quem quer passar o tempo, e a minha respiração ofegante por falta de algo que não água, mas não menos importante... sinto a língua seca!Numa fracção de segundos a minha mente desespera... «Vou masé lá fora fumar um cigarro para acalmar»... prcuro as escadas e escondo o meu fumo para não prejudicar narinas sensíveis!Respiro devagar cada beijo do cigarro e a nicotina traz-me de volta ao normal... sinto-me agora, gradualmente, mais confiante para ir beber... a boca seca é que o exige e o resto do corpo limita-se a obedecer! Pego no copo e encho-o... levo-o comigo para outro banco, para outra perspectiva da porta, e agarro uma revista... atitude de desespero!Já com pouca água no copo ouço o meu nome... «Mais testes para a minha paciência? Já se passaram duas horas numa merda de uma consulta que já fiz, um dia, e demorou quinze minutos! Quinze!!!» Passo para o lado de lá da porta e encaminham-me por um labirinto de paredes, são dois ou três corredores...Olho a médica, ela escreve coisas que não foram feitas para eu ler... e fala-me em brasileiro de dentes cerrados... «Desculpe?». E não disse mais nada. Deu um trago no copo da água dela e olhou-me pela primeira vez... Faz-me uma pergunta que não consegui decifrar...- Desculpe, não percebi!- Tem que ser mais rápida a responder...E lá repetiu a pergunta, a custo, disparando,a seguir, num ror de perguntas que iriam contribuir para a minha aptidão laboral... «...ou não... mas quem sou eu...? A Doutora é que sabe!»Numa folha ficaram o meu nome, o nome dos meus pais, algunsdados sobre a minha saúde... sem que a medica imagine sequer quem eu sou ou o que faço na minha rotina... nem os problemas que atravesso! Mais uma "mosca" na vida dela... assim como todas as outras moscas que ficaram do outro lado da porta da sala de espera... o que nos distingue? Trinta a quarenta minutos! E desco de elevador... já me sinto cansada!

Moral da história? Não há! Foi apenas um desabafo meu... sobre as "portas" e as "moscas" na nossa vida!

Terapatico

Chaga indolor.
Curativo ardente.
Ferida aberta
invisivel aos outros.
Cicatriz permanente.
Tratamento deficitário
todos me deixam.

Erros clínicos a mais
por não conhecerem,
não fazerem ideia
de minhas alergias,
falhas imunitárias.

Todos me querem curar.
Injectam anti-depressivos.
Mezinhas tradicionais.
Rodos de alegrias
em frascos de antibiótico.

Em constante rejeição,
receio tratamento alheio.
Não me tentem curar.
Desenvolvi terapatia.
Já nem me sinto doente.

Deixem-me traumático,
deslocado apático.
Não. Basta!
Não quero que me curem.


>Tiago Martins, 28-04-2005.